segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Razão e Emoção na Fotografia

Posted by Rodrigo F. Pereira

Vivemos em uma cultura que valoriza a razão, o pensamento, a ordem, em detrimento da emoção, da intuição e tem dificuldades em lidar com a natureza caótica das coisas. Quando nos envolvemos com uma atividade, como a fotografia, tentamos organizá-la, mentalmente, utilizando os recursos racionais que empregamos diariamente para lidar com o mundo. Isso nos leva a priorizar a forma, os números, as regras e o método.
Consequentemente, nos vemos apegados aos aspectos técnicos das imagens, às especificações das câmeras, aos números, ou seja, a tudo que possa ser organizado e quantificado. Queremos saber quantos megapixels tem o sensor, quão nítida é uma lente, quantas fotos são feitas numa viagem ou num evento, quanto tempo dura uma bateria.

Mesmo a análise de uma imagem em si é geralmente racional. Tendemos a aplicar categorias técnicas como cor x preto e branco; nítido x borrado; sobre-exposição x subexposição. Quando as formas contidas na foto são harmônicas e facilitam a nossa organização mental necessária para ler o espaço, dizemos que há uma boa composição. Se há muitos pontilhados, dizemos que há muito ruído. A foto em si não está de fato sendo vista; não se olha para o seu conteúdo, apenas para a sua forma. Ou seja, costuma-se ler a foto em termos racionais e, num círculo que se retroalimenta, o fotógrafo, quanto mais envolvido com a fotografia, tende também a produzir imagens que funcionem melhor nessa perspectiva racional.
O que se percebe nesse cenário, no entanto, é que praticamente não há nenhum espaço para o aspecto não racional da fotografia. Não há lugar para o desenvolvimento de temas relevantes. O fotógrafo pouco se pergunta sobre o que fotografar. Sobre o que será seu discurso? O que, daquilo que ele vivencia, é relevante o suficiente para que ele busque construir sobre isso uma obra fotográfica? Qual o papel da fotografia na sua vida? Como se sente ao fotografar? Quais emoções ele provoca em quem vê suas fotos?
No geral, ele apenas fotografa em busca da fotografia perfeita em termos racionais e faz o que ele acha que deve ser feito: fotografa em viagens, em locais exóticos, usa estereótipos (o mendigo, a mulher bonita, o velho, a criança) sem de fato se relacionar com o que retrata. E, até por conta disso, tem dificuldades em abaixar a câmera e viver o momento. Fotografa, mas mal sabe o que, quando e porquê.

Ao perceber que há algo faltando, o fotógrafo julga que esgotou as possibilidades de sua câmera e quer trocar de equipamento. Só que é impossível esgotar as possibilidades de uma câmera, já que é impossível fotografar tudo o tempo todo. O que ele busca são mais possibilidades de combinações racionais (técnicas) através de um equipamento com mais números (mais lentes, mais zoom, mais memória). Entretanto, o foco continua limitado e naturalmente tais possibilidades também se esgotarão, apenas para levá-lo a uma nova troca de material.
Não é à toa que pessoas sem nenhuma pretensão fotográfica consigam frequentemente fotografar bem. Elas estão mais preocupadas com os momentos e não estão nem aí para números e aspectos técnicos. Elas pegam a câmera só quando necessário, em vez de andar com ela a tiracolo. Sabem exatamente o que vale a pena ser fotografado ou não e fotografam livremente, sem preocupações técnicas e racionais. Esses “leigos” em fotografia, que são tão dezprezados por aqueles que a levam a “sério” têm, na verdade, muito a ensinar. Certamente suas fotos terão pés cortados, sairão tremidas, escuras ou estouradas, mas terão muito mais significado do que aquelas cheias de perfeição técnica e vazias de conteúdo.